Tentáculo

Nas fronteiras da solidão, nos lugares mais escuros da luz, existe alguma coisa, talvez um som silencioso, talvez uma angústia pacífica, alguma coisa indefinível.  Foi correndo para lá, bem lentamente, de repente avistou, bem distante, no mais distante campo visual, um serzinho vivo, nauseabundo, mas vivo, que se desenvolvia pouco a pouco.

As pernas do serzinho foram se destacando mais do que qualquer outra parte do corpo.

Chamaram aquela coisa de Tentáculo.

E se denominaram: criaturas humanas.

Aproximaram do Tentáculo. Pegaram-no. Como era bonitinho. Macio. Viscoso.

O Tentáculo se viu indo de uma mão para outra, até que se grudou fortemente numa delas, e a devorou.

Restou um grito e uma mão, e outras mãos.

Na corrida às vezes o vagar é mais forte. O Tentáculo correu em busca de solidão, mas a solidão estava distante.

O Tentáculo parou em busca de descanso, mas a paz que buscava, agitava seu corpo freneticamente.

Então irou-se demasiadamente. E decidido, foi comer mãos. Comeu uma, duas, três, centenas…

E engordou.

Engordou, engordou, e foi engordando cada vez mais, até que virou uma montanha.

Moradores do mundo inteiro procuravam aquela montanha para adorarem. Viam nela coisa sagrada.

Corroídos pelas mágoas, pelos remorsos de consciência, pediam perdão aquela montanha.

Percebiam nela coisa divina. Havia nela traços de alguma coisa humana, e uma coisa humana, era de certa forma uma coisa divina. E uma coisa divina pedia perdão a uma coisa humana, e uma coisa humana pedia perdão a uma coisa divina.

Ergueram-se as mãos em orações rumo ao Tentáculo.

Uma coisinha branca, incolor, inodora, começou a escorrer daquilo que consideravam os olhos do Tentáculo. Era um milagre. Só podia ser uma manifestação divina!

Esparramou-se por toda cidade a notícia de que o Tentáculo estava chorando divinamente.  Era um santo, o Tentáculo.

Acenderam-se velas.

Iluminou-se toda a serra.

A claridade era vista a milhares de quilômetros de distância.

Fizeram romarias. Milhões e milhões chegavam até o Tentáculo, ou a Montanha Santa, como preferiam alguns.

E começaram a gritar milagres.

Então alguém esfaqueou alguém.

Um tiro ecoou no meio da multidão.

Uma rajada de metralhadora.

Um trovoar de um canhão.

As mortes caiam aos pés do Tentáculo.

Era o demônio contra Deus.

Era o demônio tentando impedir a mão santa de Deus, de agir em favor deles, pobre criaturas, filhos dele, Deus.

E lutaram contra os que estavam do lado do demônio, e foram matando um a um. Sobraram algumas centenas de almas puras.

Hinos ecoaram pela montanha.

Mãos descomunais, pétreas, sobressaíram de várias partes daquela coisa santa, e pegaram vários dos denominados filhos de Deus.

Era Deus em pessoa atuando, levando suas almas para o céu!

  • Deus está agindo! – gritaram em uníssono.
  • Glórias ao Tentáculo!
  • Glórias! Glórias! Glórias.

Então o Tentáculo levou o conteúdo de suas mãos para sua boca descomunal. E devorou aquelas criaturas.

E percebeu que as demais não fugiam. Queriam ser devoradas por ele. E pegou mais e mais e foi comendo-as.

E notou um ar de felicidade no rosto delas. Pareciam que estavam indo para o céu, tal era a felicidade, quando as pegavam.

Então o Tentáculo se empanturrou. E vomitou. E com o seu vomito fétido, humano, saiu uma espécie de rio sagrado, que apagou todas as velas, e todas as vidas, que restavam ali.

Houve uma explosão.

O Tentáculo desapareceu em mil pedacinhos.

Agora só existia nos jornais. Religiosos.

Jackson Rubem

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