Por: Jose M Jimenez Guardeño e Ana María Ortega-Prieto
The Conversation*
“Vamos ver se surge uma vacina e tudo isso acaba” é uma das frases mais ouvidas durante a pandemia. Muitas pessoas estão cansadas de viver com medo e de não poderem sair de casa com tranquilidade. Por isso, a descoberta de uma vacina contra a covid-19 que acabe com essa crise é uma esperança para milhões de pessoas.
Atualmente, mais de 150 candidatas à vacina estão em desenvolvimento ao redor do mundo, e por isso é possível que em algum momento uma delas se mostre bastante efetiva para frear o número de contágios. Ainda que parcialmente.
No entanto, apesar dos sinais que alimentam o otimismo, não há qualquer garantia de que no futuro próximo haverá uma vacina suficientemente boa para parar a pandemia. Por esse motivo, analisar todos os cenários possíveis e ter em mente um plano B no qual não exista vacina é um exercício necessário de responsabilidade e transparência.
Lamentavelmente, se tem algo com que podemos estar seguros nesta pandemia é que o novo coronavírus veio para ficar.
Criar a falsa esperança de que vamos contar em breve com uma vacina ou um tratamento eficaz contra a covid-19 pode ser uma faca de dois gumes que poderia causar uma enorme decepção caso as expectativas não se realizem.
Anúncios que garantem que teremos uma vacina neste ano pode suscitar desconfiança na população caso os prazos prometidos não sejam alcançados.
Por outro lado, um excesso de otimismo pode criar uma falsa sensação de segurança e levar a um relaxamento das medidas de prevenção e controle do vírus que se mostraram eficazes na prevenção da disseminação.
Não há dúvida de que as vacinas são um dos grandes avanços da história da humanidade e a melhor forma de prevenir e reduzir as doenças infecciosas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que vacinas evitem de 2 a 3 milhões de mortes por ano.
Graças às vacinas, uma doença mortal como a varíola foi erradicada, e uma doença tão temida e contagiosa quanto a poliomielite está à beira da extinção. Portanto, não é surpreendente que, ao ouvirmos a palavra “vacina”, pensemos que será a solução perfeita para a covid-19.
Processo complexo
Uma vacina pode ser definida como “qualquer preparo destinado a gerar imunidade contra uma doença, estimulando a produção de anticorpos”.
No papel, desenvolver um candidato a vacina parece uma coisa simples, mas quando se trata de colocar isso em prática é um processo muito mais complexo.
O desenvolvimento de vacinas apresenta muitos desafios para torná-las seguras e eficazes, e este caso não é exceção. Portanto, é importante conhecer as limitações e problemas que podem ser encontrados para não incorrer em confiança excessiva acerca da eficácia e dos prazos de desenvolvimento.
Estas são dez das muitas razões pelas quais devemos ser realistas e não esperar pelo surgimento de uma vacina milagrosa que nos libertará imediatamente desta pandemia.
1. A pressa não é boa
O processo normal de desenvolvimento de uma vacina geralmente varia de 10 a 15 anos. Não se deve esperar que tenhamos uma vacina perfeita em menos de um ano e que ela nos permita voltar automaticamente à vida que tínhamos.
Por exemplo, o encurtamento que estamos vendo na fase de pesquisa pré-clínica em que a vacina é estudada em culturas de células e em animais é algo incomum e um reflexo da urgência de encontrar a vacina.
2. Tem que proteger os humanos
É fácil dizer, mas é onde a maioria das candidatas falha. Uma vacina pode ser muito bem projetada, segura, 100% protetora em estudos com animais e induzir uma forte resposta imune e o estímulo de anticorpos neutralizantes, mas pode acabar oferecendo um nível de proteção muito menor do que o esperado quando testada em humanos.
3. Querer nem sempre é poder
Em 1984, quando o vírus da imunodeficiência humana (HIV) foi identificado como responsável pela pandemia da Aids, o secretário de saúde e serviços humanos dos Estados Unidos declarou que uma vacina estaria disponível em dois anos. Hoje, 36 anos depois, ainda não há uma vacina contra o vírus.
O desenvolvimento de vacinas nem sempre compensa. Embora comparar o HIV com o novo coronavírus não seja o mais preciso porque eles são muito diferentes, há momentos em que, não importa o quanto você pesquise, não se consegue encontrar uma maneira de desenvolver uma vacina eficaz.
Na verdade, embora existam boas vacinas candidatas com resultados promissores em animais, até o momento não há vacina disponível para nenhum dos outros coronavírus que afetam humanos.
As razões são múltiplas, desde a falta de interesse comercial à observação de efeitos adversos nos diferentes estudos com as candidatas. A boa notícia é que existem vacinas disponíveis contra diferentes coronavírus que infectam animais.
4. Efeitos adversos
As vacinas, como qualquer medicamento, podem provocar efeitos colaterais. Um dos principais problemas enfrentados pelos investigadores é a potencialização dependente de anticorpos, mais conhecida como ADE.
Trata-se de uma reação indesejada na qual a geração de anticorpos frente a um agente infeccioso, a exemplo do uso de uma vacina, pode dar lugar a sintomas muito piores. Ou seja, a doença acaba potencializada em caso de infecção pelo vírus.
Os mecanismos da ADE ainda são muito pouco conhecidos, e a boa notícia é que são bastante incomuns.
Esse efeito foi identificado em candidatas contra o vírus sincicial respiratório e o vírus da dengue. A má notícia é que também foi descrito em outros coronavírus, como o vírus da peritonite infecciosa felina, e coronavírus que infectam humanos, como os responsáveis pela Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) e Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers).
Portanto, a possibilidade de ocorrência de ADE é uma preocupação real e está sendo avaliada ativamente em vários estágios de desenvolvimento das candidatas contra a covid-19. Principalmente na fase 3, no qual participam dezenas de milhares de voluntários.
5. Produção em larga escala
Um dos principais desafios que enfrentaremos caso se obtenha uma vacina eficaz contra o coronavírus será a sua produção em larga escala para que chegue à maior parcela possível da população mundial.
Estamos falando em produzir bilhões de doses. Isso sem levar em conta que muitas das vacinas em estudo demandam duas doses por pessoa. Além disso, outro problema adicional seria a produção em massa de doses sem afetar a produção de outras vacinas importantes.
6, Distribuição da vacina
Vamos imaginar que uma vacina eficaz contra o Sars-CoV-2 seja desenvolvida e produzida em larga escala. O próximo problema seria sua entrega eficiente a bilhões de pessoas em todo o mundo. Não adianta ter vacina se ela não chega ao usuário final.
Obter uma distribuição global eficiente apresenta desafios logísticos significativos. As empresas fabricantes de vacinas, governos de diferentes países e empresas de transporte devem trabalhar juntos e em entrar em acordo.
Em geral, a maioria das vacinas deve ser mantida refrigerada entre 2°C e 8°C. Por isso, um dos principais desafios a serem vencidos seria não quebrar a cadeia de frio. Esse problema pode ser agravado, pois existem vacinas candidatas que requerem uma cadeia ultra-fria com temperaturas próximas a -70°C.
7. Imunidade natural parece durar pouco
Durante meses, anúncios de possíveis reinfecções circularam em diferentes partes do mundo. Hoje é um fato que pessoas que já tiveram a doença podem ser infectadas novamente. Isso é relativamente comum em doenças infecciosas. Na verdade, não há doença viral respiratória conhecida em que não ocorram reinfecções.
Uma possível explicação seria que, como ocorre com outros coronavírus que infectam humanos, a presença de anticorpos desaparece gradualmente ao longo de alguns meses após a infecção.
O principal problema com as reinfecções é que, apesar do fato de que as vacinas geralmente desenvolvem uma resposta imunológica mais forte do que a infecção natural, os resultados esperados não seriam os melhores se já que se sabe de antemão que a imunidade natural é de curta duração.
Embora o papel desempenhado pela resposta celular nas vacinações e sua relevância na proteção contra infecções ainda estejam para ser analisados e confirmados, tudo parece indicar que seria, muito provavelmente, necessário se revacinar de vez em quando.
8. A idade importa
Um desafio para esta vacina é que os idosos são mais suscetíveis à infecção e apresentam um risco particularmente alto contra doenças graves ou fatais.
Portanto, proteger adultos com mais de 60 anos de idade contra a covid-19 é um dos objetivos mais importantes dos pesquisadores. O principal problema é que, à medida que envelhecemos, nosso sistema imunológico se torna menos eficiente, e as vacinas ficam menos eficazes.
9. Tecnologia bastante recente
A maioria das vacinas que usamos envolve a injeção de um vírus enfraquecido e inativado, ou simplesmente componentes do vírus que são produzidos e purificados em laboratório.
No entanto, muitas das vacinas candidatas que agora estão sendo testadas em humanos são baseadas em tecnologias genéticas relativamente recentes. São conhecidas como “vacinas genéticas”, que podem ser de DNA ou RNA.
Nesse caso, em vez de inocular vírus inteiros ou subunidades do vírus para induzir uma resposta imune como fazem as vacinas tradicionais, a ideia é que nosso próprio corpo produza a proteína do vírus.
Para fazer isso, eles nos injetariam diretamente a parte do código genético viral que contém as instruções para fazer a proteína-alvo. Finalmente, nossas células produziriam essa proteína alertando o sistema imunológico.
As vacinas genéticas têm muitas vantagens. Por exemplo, menor custo e necessidade de uma infraestrutura de produção muito menor. O principal problema é que até agora nenhuma vacina desse tipo foi comercializada para uso em humanos, e portanto sua eficácia ainda não foi verificada.
10. Proteção? Sim, mas parcial
Tudo parece indicar que, no caso de surgir uma candidata bem-sucedida, as primeiras vacinas devem proteger parcialmente contra a infecção, a imunidade teria vida curta e não funcionaria para todas as pessoas.
No entanto, é sempre melhor ter uma vacina parcialmente eficaz do que nenhuma. Seria muito útil proteger parte da população e reduzir o aumento da taxa de infecções. Além disso, tendo tantas candidatas diferentes em desenvolvimento, é possível que objetivos diferentes sejam alcançados.
Por outro lado, é possível que em um futuro mais distante sejam desenvolvidas vacinas mais complexas e com melhores resultados.
Respeitemos as medidas de proteção
Em resumo, embora o esforço sem precedentes e os resultados preliminares possam convidar ao otimismo, a realidade pode ser muito diferente. Portanto, é preciso evitar o excesso de otimismo e contemplar todos os cenários possíveis.
Por fim, é importante lembrar que até que a pandemia desapareça, é de vital importância respeitar as medidas básicas de proteção à saúde que realmente funcionam para prevenir infecções:
- Uso correto da máscara.
- Lavar as mãos frequentemente com água e sabão.
- Manter o distanciamento social
* Jose M Jimenez Guardeño e Ana María Ortega-Prieto são pesquisadores do King’s College de Londres. O artigo original foi publicado no site The Conversation, que você pode ler aqui.
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