Por TÁSSIO BARRETO CUNHA
Nos dias 15 de Março e de 12 de Abril de 2015, parcela dos brasileiros voltaram às ruas, sua imensa maioria na parte Centro-Sul do país. A bandeira “anticorrupção” liderou as manifestações, seguida do “pedido de impeachment da presidenta Dilma” e da “intervenção militar”. Ações basilares (reforma política, previdenciária, tributária, agrária, urbana, etc.) para mitigar a maior reivindicação foram esquecidas por essa “massa”. Essa ausência, entre tantas outras, comuns em atos populares, deixou um “ar de estranheza” em relação o porquê de todo esse povo estar presente nos atos. Os rabiscos que seguem são voltados para essa reflexão, não possuem o intuito de dar respostas concretas e sim expor indagações que surgiram a partir de conexões trans-escalares interpretadas atualmente.
Apresento algumas inquietações que me trouxeram muito mais incertezas do que concretudes em relação aos atos. Quem são os “ditos responsáveis” por organizar os manifestos (Revoltados Online, Movimento Brasil Livre e Movimento Vem Pra Rua)? Quais e com quem esses movimentos possuem vínculo político? Por que parte da burguesia brasileira, contraditoriamente aos seus princípios, instigou a população ir para rua? Por que líderes políticos, como Geraldo Alckimin, Aécio Neves, Agripino Maia, Aloísio Nunes, entre tantos outros, que tanto já se posicionaram contrários a atos populares, foram incentivadores? Como a ação da polícia e da mídia, pode ter sido tão oposta a “normalidade”, comparando a tantas outras manifestações? O que incentivou a classe média (como grupo maioral), sobretudo do Centro-Sul, irem às ruas? É a partir dessas inquietudes que tentarei expor algumas humildes ideias.
Início fazendo algumas alusões à situação política econômica do mundo atual, realizando um 360° nos informes midiáticos, conversas com estrangeiros que moram e circulam diversas partes do globo e leituras realizadas sobre a temática. Afunilo esse raciocínio, pelo nosso maior interesse, as duas maiores economias do globo (Estados Unidos e China) e sua relação com o Brasil no governo atual. Para um melhor entendimento, sito alguns episódios que poderão nos ajudar na reflexão proposta. 1 – A partir do governo PT, a China torna-se o maior parceiro comercial brasileiro, posto historicamente representado pelos EUA até a última governança do PSDB (um parceiro fidelíssimo); 2 – Em 2007, o Brasil anuncia o petróleo e gás natural do Pré-sal, distanciando grandes petroleiras norte-americanas da exploração (posto até então, defendido pelo PSDB); 3 – Com o início da exploração do Pré-sal no governo Dilma, o Brasil concede licença de exploração às petroleiras estatais chinesas e russas (países historicamente opostos, política e economicamente aos EUA); 4 – Há denúncias de espionagem, que o governo norte-americano espreita a presidenta Dilma, o que provocou o governo, junto à estatal Eletrobrás, montar um plano para que as informações secretas do Estado brasileiro sejam transmitidas por um cabo subterrâneo pelo oceano atlântico, até Portugal, assim perdendo o vínculo de dependência dos meios de informação estadunidenses; 5 – O Brasil, junto aos países do BRICS (bloco econômico formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), encabeçam o fortalecimento do banco, com a função de ter outra opção de financiador internacional (se deslocando do oligopólio do BM – Banco Mundial e do FMI – Fundo Monetário Internacional) e a defesa de propor outra moeda majoritária no mercado internacional, quebrando o monopólio do dólar americano.
Essas são situações que deixaram os estadunidenses titubeantes e que os provocam ainda mais a buscar manobras para impedir ações que busquem o não avanço do seu império. Entendemos que os EUA nunca foi a favor dos governos PTistas pelas relações políticas econômicas de dependência desconstruídas, e sem dúvida, o PSDB como seu súdito e fiel escudeiro, lidera a sua preferência. A relação no passado e as articulações/apoio durante as eleições presidenciais perdidas para o PT, demonstraram bem isso. Com o desinteresse tamanho pelo modo PTista de governar, espionagens declaradas e outros tantos episódios de desconforto diplomático, se tratando de uma postura dos EUA, não é nada demais pensar que os americanos do norte também estejam interessados na destituição do governo Dilma Rousseff. A questão é entender qual a via que eles e a direita brasileira preferem isso: enfraquecimento do atual governo e dessa forma ganhando as eleições em 2018, impeachment, ou intervenção militar? Diante do poderio dessa gente, até mesmo estatal (permitido pelos governos do PT), tudo e mais um pouco pode se esperar.
Outra questão a ser apontada é a posição favorável da grande mídia, liderada substantivamente pelos grupos de rádio, TV, internet, jornais e revistas da Globo, Band, Record, SBT, Abril, Estadão e Folha de São Paulo, que oligopolizam os principais veículos de comunicações nacionais. Atitude no mínimo contraditória, para tal reflexão, basta apenas pensar em seu discurso incoerente nas manifestações de junho de 2013. Como quase toda ala burguesa brasileira, esses grupos nunca lucraram tanto.
Isso nos instiga a pensar o porquê de uma oposição tamanha ao governo, já que os favoreceu como nunca, atendendo o seu principal objetivo que é o lucro. O discurso PTista a favor da “democratização midiática”, é algo que contraria esse bloco, sobretudo possuindo um forte laço político e de negócios com antigos “caciques” integrantes protagonistas da direita brasileira e possuidores de filiais ligadas a esses grupos. Similar a isto, foi o posicionamento da polícia, sem bombas de efeito moral, balas de borracha, cassetetes, etc. São circunstâncias atípicas, destoantes com a normalidade, mas que converge para um leque de articulações para o acontecimento dos atos, principalmente após algumas tentativas frustradas e a conquista do êxito em um momento de forte crise econômica e política no governo.
Agora, tentaremos apresentar um pouco do perfil do cidadão que se manifestou. É lúcido que as principais cidades que representaram o maior número de manifestantes se localizam no Centro-Sul, com uma forte classe média e que deram vitória massiva ao candidato Aécio Neves na eleição. Esse é um perfil maioral dos manifestantes mais “rebelados”, que tendem a seguir a linhagem PSDBista, estando longe de serem os únicos descontentes com o governo Dilma Rousseff. O que nos inquieta, é pensar o que leva esse estereótipo de brasileiro, de classe média, a se indignar/odiar, não só com o governo atual a partir dos escândalos de corrupção da Petrobras, políticas de austeridade fiscal, crises hídricas e energéticas, mas a esquerda de modo geral, sobretudo com a sua chegada a presidência da república. Essa dúvida surge quando se sabe que a classe média brasileira nunca gozou tanto em um governo, daquilo que mais almeja, a sua constante restauração de vida alinhada a um maior poder de consumo.
Alguns colunistas justificam essas ações de “rebeldia” a partir da criticidade dos indivíduos por possuírem um maior nível educacional, acesso a diversificados meios de comunicação, circular por uma maior variedade de lugares, culturas etc. Ideia entendida como regressiva, pois vejo que a alienação, o fetiche, a despolitização, continuam mais do que latentes nesse meio, mesmo entre aqueles que vivem “onde as coisas acontecem” e nas “terras de oportunidade”. Esse raciocínio é construído, 1° – a partir da posição política de uma classe que prega o fim de um governo que mais a favoreceu, a partir de ações inconstitucionais como o impeachment e a intervenção militar, e contraditoriamente, tem como principal bandeira a não banalização de um ato ilegal (a corrupção), 2° – se apresentam como “papagaios midiáticos”, de grupos que possuem como meta, manter seu status quo, longe de se preocuparem em transparecer fatos que melhor elucide a população; 3° – o pior, expressar preferência a um grupo político que arruinou a classe média brasileira e que deixa essas práticas por onde governa (o Paraná é o exemplo mais atual dentre de tantos outros passados). O não reconhecimento desses indivíduos se tratando de um itinerário que melhor trace o seu bem-estar, e a defesa massiva que o retorno “ao caminho das trevas” seja o melhor no momento, mostra que essa “massa sem rumo” está a anos-luz de enxergar um caminho alternativo “além PT” e de contribuir ao menos com o corpo para manifestações que defendem de fato o povo brasileiro. Não vejo como não pensar que “esse povo marcha em pró de políticas antipovo”.
O governo em meio à crise econômica tenta com alguns mecanismos macroeconômicos retomar a ascensão do investimento do capital no país atendendo os seus ditames mais vorazes, com corte de direitos trabalhistas, aumento dos juros, austeridade fiscal, manobras que rebatem negativamente aos mais pobres, sobretudo junto aos bruscos aumentos de energia. Assistimos esse cenário nos dois primeiros anos do governo Lula, artifício que deu certo, contudo a conjuntura econômica interna e externa se encontrava em situação diferente. O governo Dilma vive uma crise política profunda junto às incertezas econômicas internacionais, a sua tentativa macroeconômica de retomar o crescimento do consumo interno e aumentar o superávit primário com as exportações se apresenta destorcida diante do cenário atual, principalmente com grande parte da população já endividada, tendenciando a dever mais, com o aumento dos juros, e as commodities agropecuárias minerais e o petróleo (nossas mercadorias principais negociadas no exterior) em baixa no mercado internacional.
O pacto PTista com parte da burguesia brasileira a cada momento parece desmoronar, o Brasil apresentado nos principais veículos de comunicação é tido como “o país das trevas”, frentes sindicais, movimentos populares, não se apresentam mais com o poder de mobilização de outrora, a crise econômica aprofunda com a queda dos preços de nossas principais mercadorias no mercado externo, o PMDB (partido do “toma lá dá cá”) possui um poder de veto e voz fortíssimo, estando longe de pensar nas necessidades populares, a direita a cada dia melhor se articula para tomar o poder, o que nos espera diante desse cenário tão macabro? Para aqueles que enxergam a necessidade de políticas basilares para a inclusão social é de se arrepiar, sobretudo temendo a volta de um grupo que deixou como herança “nada mais” que 40 milhões de famintos (1/3 da população do país na época). Outros que estão “dando corpo às ruas” sem terem noção “para quer e para quem” estão fazendo isso, eu só lamento. O incerto e perigoso cenário futuro deste país, só o tempo tem a capacidade de nos dar a resposta. Vamos esperar! Mas não de braços cruzados.
Bunda Vermelha, Brasileiro, Nordestino, Baiano, Sertanejo, Ireceense
Presidente Prudente – SP
Verão 2015