Autor: Henrique Dias
Poucos dias nos Estados Unidos estão me servindo para comprovar a dialética da nova discussão sobre a natureza da internet e acho que é bastante preocupante. Na verdade, eu não precisava vir aqui para isso, porque está ocorrendo em quase toda parte: uma forma muito mais enigmática, quase “populista” para acabar com a rede como a conhecemos, dando uma aparência de simpatia, de benefício para o cliente, de “detalhe que sua operadora tem para que você desfrute melhor do seu contrato,” quase “uma oferta que você não pode recusar”.
O contrato da operadora com a qual estou desfrutando conectividade agora mesmo, nos Estados Unidos, incluiu Pandora, de modo que os bits que consomem essa aplicação para escutar música não contam para os limites do meu contrato. Basicamente, eu posso dedicar-me a ouvir música o tempo todo, sem ter medo de consumir a minha taxa contratada. Os contratos deste tipo são cada vez mais generalizados, por fórmulas de todos os tipos que vão desde serviços de redes sociais até outros populares. O Chile viveu essa discussão, com a oferta de “redes sociais gratuitas” por algumas operadoras. Na Espanha, ofereceram Zerolímites de contrato que permitia seguir, usando a rede social, mesmo quando os limites estabelecidos pelo contrato foram excedidos. Certamente, isso é um problema que está se espalhando rapidamente.
É difícil pensar que um cliente diga não a tais ofertas, e ainda mais quando fingem defender com ele um conceito aparentemente “abstrato” ou “amplo”, como a neutralidade da rede. Proibir tais contratos “subsidiados” seria algo complicado que provavelmente resultaria em reclamações de usuários. Em alguns casos, como o de serviços oferecem gratuidade ou uma taxa especialmente acessível. A discussão poderia ser deste tipo: “melhor que esses usuários tenham acesso a alguma coisa, mesmo que se limite a sua capacidade de escolher, porque isso, pelo menos os faz sair da chamada exclusão digital.
Quando os conceitos gerais ou coletivos são confrontados com diversão a curto prazo, parece que a natureza das discussões sofrem alterações. Mas não é assim. A natureza do argumento permanece o mesmo: as operadores tem liberdade para encerrar contratos com determinadas empresas que fornecem serviços na internet, para oferecer-lhes uma alternativa privilegiada, não mais em termos de velocidade de acesso – alguns já parecem argumentar que “bits são criados iguais” – mas em termos de custo. “Se você consumir aqui, não levarei em conta os limites do seu contrato”.
Uma posição que, mais uma vez, permite aos operadores posicionar-se como verdadeiras “guardiães da Internet”: se você quer que o seu serviço chegue a muitos clientes, faça um acordo comigo que eu vou incluir em meus contratos. A médio e longo prazo, o resultado é o mesmo: os privilégios de operador em relação a outros serviços em troca de dinheiro. Se você quiser competir com esse serviço, passará por muitas dificuldades. Não é impossível, você pode criar um serviço que os usuários considerem melhor, mas teria que competir com algo que já está incluída no contrato e não deixe você ficar sem largura de banda, já no meio do mês.
O problema está na mudança do papel da operadora: estes tipos de contratos repetem a intenção das operadoras de assumir um papel que vai mais além de ser uma “dumb pipe” uma “tubería tonta” que simplesmente transmite o que alguém contrata. Por suposição, a posição de “dumb pipe”, de serviço completamente comoditizado, não á desejável para as operadoras, pois reduz a sua competitividade. Elas preferem sentar-se em um lugar que lhes permita repartir privilégios, credenciais de acesso a seus cabos e cobrar convenientemente por eles. Fazendo uma comparação com o setor da eletricidade, seria como você comprar uma máquina de lavar roupa de marca X e não ter que pagar o consumo de eletricidade. A médio prazo, não é difícil ver onde isso vai levar: ao distorcer a concorrência, o resto dos fabricantes de máquinas de lavar roupa não poderia competir com X e isso resultaria em um cenário de menor concorrência e os consumidores com menos opções (podemos inclusive especular que a companhia elétrica iria promover seu próprio modelo de lavadora e controlar também o negócio dos eletrodomésticos).
Ela não é a única ameaça. Agora operadoras ameaçam refinar seus contratos de publicidade móvel, para deleite aparente de usuários que sonham com conexões não interrompidas por formatos intrusivos irritantes. Ótimo, isso soa bem. Mas, uma vez que permitem ao operador remover certas partes do que circula entre uma página e nosso terminal, quem garante que não vão filtrar outros bits, em função de seus interesses comerciais ou de outros inclusive mais sinistros? No momento em que a operadora passa de ser uma “tubería tonta” e pretende tornar-se mais inteligente, a Internet sofre, a liberdade competitiva que a levou a converter-se no que temos hoje, desaparece, e as operadoras se colocam na posição de repartir licenças a quem elas achem oportuno. Um perigo muito mais real e mais direto que a velha discussão sobre si podem ou não privilegiar a velocidade de determinados serviços (ou melhor, penalizar a de outros).
A nova discussão sobre a neutralidade da rede é expressa em outras palavras, mas é essencialmente a mesma. O mesmo perigo, a mesma ameaça. Vestida de seda, mas uma ameaça disfarçada. E vai ser muito mais difícil de parar.