Meados do ano de 2009. Estava coletando informações para a escrita do meu décimo livro intitulado Lapão, Cem anos de História. Depois de uma longa viagem cansativa por estradas de chão, tive um encontro com uma bonita negra cuja presença marcante está viva em minha lembrança até os dias de hoje.
Chamava-se Alvina Rosalina (não sei se ainda está viva). Uma negra bonita que prendia minha atenção pelo porte elegante, o olhar que parece ler nossa mente, o andar corcundo, a grossa bengala de galho de aroeira, o vigor das pernas e o aperto em minha mão ao me cumprimentar. Era filha de uma índia que fora capturada a “dente de cachorro”.
Alvina já tinha completado 115 anos de vida, mesma idade de seu pai. Ele morreu, mas ela continuava viva e estava ali, entediada da longa vida, esperando a morte, mesmo sem estar doente. Uma vida centenária, marcada pela alegria das boas safras na roça, pela tristeza das inúmeras secas, como a de 1932. Tinha experimentado todos os tipos de sofrimentos e alegrias do sertanejo.
Sua avó Cassiana (Dindinha) viveu no tempo da escravidão e era obrigada a marcar outros negros e negras com ferro de boi, como se fossem animais. Uma situação bem triste entre tantas outras que a avó lhe contara, envolvendo preconceito, humilhações e desprezo contra os negros.
Os olhos de Alvina lacrimejaram, quando se lembrou do saudoso pai, Avilino Marques Borges, que também nasceu escravo e comeu o “pão que o diabo amassou”, enquanto esteve no cativeiro. Ele era um dos negros que veio de Macaúbas para América Dourada, junto com os primeiros membros da família Dourado.
Respondendo-me a pergunta sobre como foi sua infância, ela contou-me que ainda criança caminhava mais de dez quilômetros com uma trouxa de roupa na cabeça, de oito em oito dias, para lavar na fonte de Lapão. Quando terminava, depois de horas embaixo do sol escaldante, retornava para sua casa, caminhando outros dez quilômetros de volta.
Fiquei quase duas horas com Alvina. Foram duas horas prazerosas, ouvindo-a falar do passado como se estivesse voltado no tempo, para vivenciar tudo novamente nos mínimos detalhes. E entre tantas frases que me contou, registro esta, extraída do capítulo O negro na História de Lapão:
“Minha doença não é de farmácia, não é da idade. Já vivi tanto, meu filho, que pedi ao meu pai do céu para me levar, mas ele não quer”.
Às vezes, refletindo sobre isso que ela falou, pergunto-me se a vida perde a graça no transcorrer dos anos, virando um terrível tédio? Existe algum limite de anos aceitável para a vida de um ser humano? Sou bem mais novo do que ela, mas às vezes já começo a cair neste tédio, como se também já tivesse vivido os mesmos 115 anos de Alvina.
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Fátima diz
É íncrível! fatos como este nos deixa perplexa com o passado da história do Brasil.Tantos irmãos escravizados,sofridos sem vez e sem voz. Por isso até hoje pagamos caro por tantos sofrimentos cometidos no passado.D.Alvina, aqui retratada por Jackson ,nos deixa uma lembrança da qual tentamos esquecer. A escravidão!