O que é a Escrita Automática?
Escrita automática é a capacidade que todo ser humano tem de produzir textos sem a interferência da mente consciente. Ou seja, toda pessoa tem esta habilidade, mas nem todos sabem usá-la.
Talvez por isso, muitos menosprezam a escrita surrealista comparando-a ao Dadaísmo, ou seja, a improvisação, desordem e rejeição a racionalização e equilíbrio.
Este ponto de vista, no entanto, não corresponde à realidade.
Na verdade, a escrita automática é apenas um método literário, defendido, principalmente, pela movimento surrealista.
A mão do que escreve automaticamente produz o texto, seja no papel com caneta, seja no teclado do seu computador.
Não importa, portanto, o meio para a produção de um texto surrealista. O certo é que palavras, frases, textos inteiros são escritos com incrível velocidade.
Em estado de transe, relaxamento profundo, ou estado alterado de consciência, o autor sabe o que acontece a sua volta e sabe que está escrevendo. Apesar disso, ao concluir sua escrita automática, se alguém lhe perguntar o que escreveu ele não saberá responder.
Breton responde o que é surrealismo com estas palavras:
“SURREALISMO, s.m. Automatismo psíquico em estado puro mediante o qual se propõe exprimir, verbalmente, por escrito, ou por qualquer outro meio, o funcionamento do pensamento. Ditado do pensamento, suspenso qualquer controle exercido pela razão, alheio a qualquer preocupação estética ou moral.”
Como surgiu o surrealismo?
André Breton começou a se interessar pelo surrealismo já desde o ano 1916, quando visitou um amigo em um hospital de Paris.
Ao pegar um manual de psiquiatria, ele descobriu a psicanálise de Sigmund Freud.
A partir de então, começou a buscar respostas sobre o pensamento inconsciente de doentes mentais, as anotações de delírios e as interpretações de sonhos.
Em seu Manifesto do Surrealismo, André Breton fala de uma frase que insistia em sua mente, algo como: “Há um homem cortado em dois pela janela”.
Segundo ele, não havia dúvida de que era a simples aprumação no espaço de um homem debruçado à janela. E isso deu lugar a uma sucessão ininterrupta de frases que deixaram nele a impressão de uma tal gratidão “que me pareceu ilusório o império que até então eu mantinha sobre mim mesmo”.
E seu relato continua:
“No dia seguinte acordei cedo. Estava ainda escuro. Meus olhos estavam abertos fazia tempo, quando ouvi o relógio do apartamento inferior bater cinco horas. Quis novamente dormir mas não consegui, eu estava completamente desperto e mil coisas baralhavam na minha cabeça.
“De repente me vieram uns bons trechos, próprios para utilização num esboço, num folhetim; subitamente, por acaso, achei frases muito bonitas, frases como jamais escreverei. Eu as repetia lentamente, palavra por palavra, eram excelentes. E vinham mais outras.
“Levantei-me, peguei lápis e papel na mesa atrás de minha cama. É como se eu tivesse rompido uma veia, uma palavra seguia outra, colocava-se em seu lugar, surgiam as réplicas, em meu cérebro, eu gozava profundamente.
“Os pensamentos me vinham tão rapidamente fluíam tão abundantemente que eu perdia uma porção de detalhes delicados, porque meu lápis não podia andar tão depressa, e entretanto eu me apressava, a mão sempre em movimento, eu não perdia um minuto. As frases continuavam a brotar em mim, eu estava prenhe de meu assunto”.
André Breton se tornou o pai do surrealismo juntamente com Tristan Tzara, no ano de 1919, na época do lançamento da revista Littérature.
A revista publicou textos produzidos com escrita automática realizada por Breton e Soupault. Os autores escreveram seus textos surrealistas, na primavera de 1919, em um estado provocado de automatismo psíquico.
O movimento surrealista tem sua história marcada por agitação ligada a movimentos políticos. Em 1925, por exemplo, os surrealistas tomaram posição em favor do Marrocos que estava guerreando com a França.
Entre os registros históricos de obras produzidas com a escrita automática encontram-se “Os campos magnéticos”(1921), de André Breton e Philippe Soupault. As raízes do surrealismo Breton encontram-se na poesia e prosa de Rimbaud e Lautréamont e na poesia mais remota de William Blake. Estes são principais artistas do surrealismo na literatura estrangeira.
A escrita automática começou a ser usada no Brasil nos anos 20, através de Prudente de Morais Neto e Sérgio Buarque de Holanda. Eles foram os primeiros experimentadores da escrita automática na língua portuguesa.
O Modo de Escrever Automático e a Psicologia
A escrita automática é usada como um instrumento da psicologia freudiana em atividades ligadas aos estudos do “autoconhecimento”, com o propósito de ganhar introspecção na mente do psicógrafo.
Carlos Rodrigues cita no blog Erudito que usar este tipo de escrita em terapia, visando liberar memórias reprimidas não é válido. “Quando as ideias inconscientes são expressas em escrita automática, os céticos apontam que é pouco provável que eles são mais profundas do que os pensamentos conscientes do escritor. Os céticos argumentam que não há provas de que o “verdadeiro eu” está no inconsciente mais do que na consciência normal”.
Claudio Willer, em seu longo artigo sobre Criação Poética, cita que que no ensaio Le message automatique, de 1933, Breton mudou o foco da discussão da escrita automática. Ele deixou de citar Freud e passou a se referir a Myers, psicólogo do século XIX de orientação experimentalista, precursor tanto da parapsicologia quanto da psicologia da percepção. Myers pesquisou as imagens eidéticas, os pós-efeitos visuais (por exemplo, quando olhamos fixamente para uma fonte de luz, e esta, alterada, permanece ao fecharmos os olhos):
“Breton conclui esse ensaio com uma afirmação ousada: Toda a experimentação em curso seria de natureza a demonstrar que a percepção e a representação – que para o adulto ordinário parecem opor-se de uma maneira tão radical – não devem ser tidos senão como produtos da dissociação de uma faculdade única, original, da qual a imagem eidética dá conta e da qual se reencontram traços entre os primitivos e as crianças. Por esse raciocínio, visões e alucinações equivalem ao automatismo, e vice-versa. Ganham o estatuto de percepções reais, íntegras. Para o surrealismo, o visionário alucinado efetivamente vê; ou, no automatismo verbal, de fato ouve”.
Psicografia ou Surrealismo Breton?
Escrever automaticamente é o mesmo que psicografia automática? Os espíritas kardecistas defendem que a escrita automática, ou seja, a escrita sem a interferência do consciente, está relacionada à psicografia.
Para eles, quem escreve automaticamente é um médium que supostamente recebe mensagens espíritas. Com este ponto de vista, a expressão “escrita automática” está em desuso pelos kardecistas.
Os espíritas consideram o que é produzido automaticamente como uma “mensagem” transmitida por alguém do além.
No Livro dos Médiuns, disponível gratuitamente na Internet, Capítulo 13, item 157, que fala de Psicografia indireta: cestas e pranchetas e de Psicografia direta ou Manual, Alan Kardec, escreve:
“Chamamos psicografia indireta à escrita assim obtida, em contraposição à psicografia direta ou manual, obtida pelo próprio médium. Para se compreender este último processo, é mister levar em conta o que se passa na operação. O Espírito que se comunica atua sobre o médium que, debaixo dessa influência, move maquinalmente o braço e a mão para escrever, sem ter (é pelo menos o caso mais comum) a menor consciência do que escreve; a mão atua sobre a cesta e a cesta sobre o lápis. Assim, não é a cesta que se torna inteligente; ela não passa de um instrumento manejado por uma inteligência; não passa, realmente, de uma lapiseira, de um apêndice da mão, de um intermediário, entre a mão e o lápis.”
Muitos discordam dos espíritas e atribuem a psicografia ao surrealismo Breton.
Descarta a interferência de espírito
Dom Estêvão Bettencourt descarta a interferência de um espírito, no caso da escrita surrealista. Em seu artigo A Escrita Automática ou Psicografia escreve que no setor da psicografia, existem pessoas tão vibráteis e sugestionáveis, que só precisam sentar-se a uma mesa, pegar um lápis, colocar a mão sobre uma folha de papel e deter seu pensamento sobre determinado assunto, para que se ponham a discorrer por escrito sobre esse assunto. Tais pessoas não precisam pensar em uma frase qualquer.
Para elas é suficiente apenas conceber a ideia de escrever alguma coisa…; Bastam assumirem uma atitude meramente passiva para que a mão comece a escrever. Tais pessoas também não precisam entrar em transe ou sono hipnótico. Estas pessoas, em quase todas as situações, escrevem sem saber o que estão escrevendo, mesmo que se achem acordadas.
Eu não acredito em mediunidade, mas há quem acredite. Na verdade, o automatismo psíquico é apenas um dos muitos tipos de escrita.
Lúcia Grassi dos Santos, em A experiência surrealista da linguagem: Breton e a psicanálise, cita um pequeno trecho da obra “Histoire du Surréalisme”, de Nadeau, M, publicada em 1958:
“O surrealismo é concebido por seus fundadores não como uma nova escola artística, mas como um meio de conhecimento, em particular de continentes que até então não tinham sido sistematicamente explorados: o inconsciente, o maravilhoso, o sonho, a loucura, os estados alucinatórios, em resumo, o avesso do que se apresenta como cenário lógico.” (NADEAU, 1958, p. 46)
Ferreira Gullar e sua experiência com automatismo psíquico
O famoso poeta Ferreira Gullar, membro da Academia Brasileira de Letras, diz em sua obra “Autobiografia Poética e Outros Textos” que tinha muito interesse pelo surrealismo e que achava as ideias de André Breton muito inovadoras e estimulantes da criação artística.
Ferreira Gullar leu com interesse os manifestos de Breton, os poemas que ele escreveu e de outros poetas do grupo, mesmo sem se interessar em fazer poesia surrealista.
Mesmo assim, ele diz que algumas ideias influenciaram seu modo de conceber à criação poética. Reconhece que a valorização dos fatores inconscientes ou irracionais veio dos surrealistas, embora ache que o automatismo psíquico uma proposta inconsequente, porque impraticável:
Aliás, sem pretender inventar nenhum tipo de escrita automática, inventei um procedimento que, se não se vale do automatismo, consegue produzir um texto fora de todo e qualquer controle racional. Fiz isso para concluir o livro Crime na flora, ou Ordem e progresso (1986), algum tempo após a implosão da linguagem no final de A luta corporal (1954), que me deixou impossibilitado de escrever. Levei meses elaborando esse texto arbitrário e não sabia como concluí-lo. Foi então que me ocorreu o seguinte: comecei a escrever uma história absurda com tinta vermelha, deixando entre as linhas espaço suficiente para outro texto. Terminada essa primeira história, passei a escrever outra, com tinta verde, nas entrelinhas da anterior e, depois, datilografei tudo junto, como se fosse um texto só. Disso resultou, naturalmente, um texto incongruente, já que as frases de uma linha se juntavam à da linha seguinte, que pertencia à outra narrativa.
Brainstorming e Escrita Automática
Brainstorming “tempestade cerebral” ou tempestade de ideias é uma técnica usada em para explorar a potencialidade criativa de um grupo ou de um indivíduo, a fim de reunir uma diversidade de pensamentos e experiências e encontrar soluções inovadoras.
Cada pensamento ou ideia que vier a mente deve ser anotado, sem efetuar nenhum julgamento preliminar, segundo a regra mais importante do brainstorming: críticas são rejeitadas.
A escritora Sara Farinha cita em seu blog que que a primeira técnica que usa antes de escrever seus textos é a Tempestade de Ideias ou Brainstorming. Com este método, ela cria uma lista de ideias sobre determinado tópico. “O Brainstorming funciona através da associação livre de ideias, dispensando o pensamento crítico e a auto-edição, permite que nos foquemos na quantidade e em última instância na qualidade (só possível por pensarmos exaustivamente sobre um tema)”.
A ausência do pensamento crítico está presente, tanto no brainstorming, quanto na escrita automática. A diferença é que um está voltado para a produção de tópicos ou ideias e o outro para a produção de textos inteiros.
Escrita automática: como fazer
Certas pessoas tem um temperamento vibrátil e com pouco treino são capazes de se exprimir automaticamente por meio da escrita. Estas pessoas conseguem transferir para o papel o que vem do fundo da mente inconsciente.
O automatismo psicológico pode surgir não somente por meio da concentração, mas também pela sugestão. As sugestões vindas de fora podem motivar um comportamento novo. A mesma coisa se pode dizer da autossugestão.
Técnica 1
Como é que se escreve automaticamente? O primeiro passo é ter papel e caneta. De posse do material para escrever, relaxe seu corpo e sua mente. Pense então que vai escrever sem a interferência da mente consciente. Não se preocupe em como escrever pois tudo virá automaticamente.
Ao estar profundamente relaxado, poderá sentir um ligeiro formigamento na mão ou no braço ou no topo da cabeça. Sua mão também poderá ficar muito pesada ou muito leve.
Escreva tudo que vier sem se importar se presta ou não presta, se está coerente ou incoerente. O segredo é desativar seu senso crítico e deixar o subconsciente ou a mente inconsciente comandar tudo.
Mesmo que o resultado da primeira vez tenha sido pouco satisfatório, não se desanime. A persistência é o segredo da vitória.
Antes de terminar a prática, diga que da próxima vez você entrará mais depressa e mais profundamente no estado de relaxamento e não pensará em como escrever, pois escreverá automaticamente. Diga que da próxima vez você será melhor do que em qualquer ocasião anterior.
Técnica 2
Fique sozinho em seu escritório ou no lugar onde estiver. Então sente-se confortavelmente e ponha as mãos no teclado do seu computador. A seguir, procure relaxar os músculos do seu corpo, pescoço, braços e especialmente os do rosto.
Digite a data no topo da página do Word ou outro programa que usar. Após isso, pense em um tema qualquer, por exemplo, flores ou árvores ou montanhas, qualquer coisa.
Preste atenção em sua mente e tudo que vier vá escrevendo, sem julgar.
Enquanto as frases estão vindo, seu senso crítico entra em funcionamento. Esqueça o senso crítico e considere cada frase como algo precioso para você.
No início poderá ter dificuldades, mas com o passar do tempo poderá escrever mensagens, frases marcantes, poesias e até textos inteiros.
Minha Experiência com Free Writing
Eu já escrevi uma grande quantidade de textos através da escrita automática. Não sei se prestam ou se não prestam, se tem erros ou se não tem. Provavelmente tem e os que percebo vou corrigindo. Além disso, deixei de temer o que os outros pensam e vou publicar tudo que escrevi, que escrevo ou que escreverei automaticamente.
Eu diria que mais de 90% do meu livro O Pequeno Deus e o Livro de Vitórias foi escrito automaticamente. Passei mais de 15 anos com ele no computador até criar coragem e publicá-lo. O mesmo aconteceu com meu livro de contos Sangue Santo, cujos contos foram produzidos em poucos minutos, inclusive As Colinas Azuis que eu disponibilizo para você.
Em frases bonitas você pode ver várias mensagens e desenhos coloridos produzidos automaticamente.
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